terça-feira, 6 de outubro de 2009

O Som da Terça

Assisti ontem na televisão que uma grande cantora aqui da terra iria se apresentar à tarde na praça, na qual a prefeitura financia uma tenda nas terças, a fim de promover a cultura da cidade. Gostei muito da idéia e convidei minha irmã caçula, que é muito parecida comigo, para irmos. No ato,ela aceitou. Liguei para meu namorado e também o convidei. Este ficou de dar a resposta depois. Com medo de perder a hora, terminei meu dever de casa, e corri para tomar banho. Ainda não sabia bem o porquê de tanta alegria, mas me sentia assim, e isso era bom. O amor me ligou e disse que preferia não ir: ainda não tinha terminado de estudar. Perto do horário, eu e minha irmã descemos para o local do show. Para nossa surpresa, ainda tinham cadeiras vazias e podemos nos aconchegar sem problemas. A tão esperada artista ainda não tinha começado, mas o som dos outros não estava de nada ruim. Outras tantas pessoas começaram a chegar: adultos, crianças, idosos, trabalhadores recém saidos de seus expedientes. Via-se ainda no rosto desses últimos a expressão de cansados, mas com o passar do tempo a música invadia seus corações e eles deixavam se embalar, sorrindo. O pipoqueiro se divertia, as crianças gulosas alimentavam os bolsos destes. Pequenos oriundos de todas as classes se misturavam, formando uma perfeita harmonia de brincadeiras. As mães e pais se descabelavam correndo atrás daqueles. Algum tempo mais tarde, a ansiedade me tomou: queria que começasse logo. Veio, então, o locutor e anunciou: "Dentro de alguns instantes, o grande show vai começar". Me acalmei, pois. Ela, a cantora, entrou acompanhada de seu percussionista. Este começou com o som de uma flauta, ela com pequenas notas no violão. Deu-se início ai à uma linda sequência de grandes músicas. Eu, que preferi até então ficar sentada, me levantei e comecei a dançar. Minha irmã me acompanhou. A dança nos guiou a partir daí. A noite caiu e com isso a apresentação ficou mais bonita, pois as luzes dos postes e do palco se acenderam. Já no finalzinho da apresentação, o ritmo mudou de MPB para Samba, e muitas outras pessoas também se levantaram empolgadas para dançar. Ah como eu queria que aquela noite se estendesse até mais tarde!
Tive certeza ali que ,realmente, a praça é do povo, de todos nós.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

A menina e o passarinho

Vivia numa vizinhança calma, velhinhos nas calçadas e cachorros a descansar nas sombras das árvores. A casa que morava dava para os fundos de um pequeno bosque. Da janela do seu quarto uma árvore ficava tão perto que era como se debruçasse sobre o parapeito.

Todo o dia ia até a janela e passava horas a contemplar o bosque com todas suas árvores e flores. Mas o que chamava mesmo atenção da menina eram os passarinhos que voavam sobre as folhas e pousavam nos galhos a cantar. Aquela música a encantava, acarinhava, embalava seus pensamentos.

Adorava tanto a música que decidiu que teria um passarinho para si. Tentou diversas armadilhas. Caixas, arame e comida para atrair. Mas no final nenhum passarinho se mostrou tolo o bastante para cair naquela armadilha infantil de sedução. Depois de algumas tentativas desistiu e contentou-se a apreciar a melodia que penetrava pela janela.

Alguns dias se passaram e ela nem mais se lembrava da infeliz idéia de captura. Então como que para provar isso, eis que surge um passarinho em sua janela. Quando o avistou parou no meio do quarto e o observou. Era pequeno, ares de esperto, penas acinzentadas. Ensaiou um passo a frente, mas ao ver que ele a observava, parou. Ela continuava a olhá-lo com curiosidade assim como também era observada da mesma forma. Criou coragem e deu o passo. Ele partiu.

Ficou decepcionada. Não acreditava que tinha perdido a chance de se aproximar dele. Se aproximar para que? Não sabia... Mas queria vê-lo de novo.

No outro dia, como quem não quer nada, ele apareceu novamente. A menina estacou mais uma vez no meio do quarto. Mas dessa vez não se atreveu a se mover, ficou apenas ali parada olhando para aquele pequeno ser em sua janela. Vendo que ela não avançava, começou a se sentir mais seguro. Deu alguns passos para direita, esquerda, explorando o local. Quando encontrou um lugar confortável, inflou o peito e cantou. A menina que tudo observava, ficou maravilhada e resistia com todas suas forças para não dar mais um passo.

Quando a noite chegou e o pássaro se foi, a menina se pôs a pensar no pequenino que cantara e a encantara. A incerteza de saber se ele voltaria a torturava muito mais do que gostaria.

Mas ele apareceu. E continuou a fazer suas aparições todos os dias. A menina se deixava seduzir pela sua música e o seu jeito faceiro. E mesmo sem perceber a cada dia se aproximava mais dele.

Passou a esperá-lo na janela. Ele não mais a estranhava. Pousava em sua mão, comia os agrados que ela lhe oferecia, trazia galhos para lhe enfeitar e continuava a cantar. A menina não tinha mais aquelas idéias de ter um passarinho só para ela, mas continuava a sofrer com a possibilidade dele não voltar.

Um dia, enquanto o esperava pensava no quanto o amava. Seu amor era tão grande que pensou em prendê-lo. Mas não em qualquer gaiola, seria um lugar ótimo, grande, arejado, onde não sentiria necessidade de mais nada além da presença dela. Mas quando o viu chegar voando pensou melhor. Amava tanto aquele passarinho, que não poderia prendê-lo nunca. E nem havia necessidade disso. Ele pertencia a ela, assim como ela pertencia a ele. Não com o sentimento de posse, de ser dono ou dona um do outro, mas se pertenciam pelo amor que os unia.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Os chinelos...

Guilherme acordou olhando para os chinelos ao lado da cama, sentiu um alívio por não estar calçado com eles, isso era sinal de que estava deitado, dormindo... ou talvez não! Poderia estar com seus sapatos, cueca, camisa e calça indo para o seu intediante trabalho. Olhou para o relógio, já era hora de levantar. Foi para o banho e deixou a água inicialmente fria escorrer pelo corpo, maldito chuveiro! Já não funcionava direito. Saiu do banho enrolado na toalha e parou em frente a pia, pegou a escova e o creme dental e escovou os dentes sentindo a espuma refrescante em sua boca. Por fim pegou o gilete e o creme de barbear mas como que por instinto deixou-os cair, não queria fazer a barba.
Devido a um leve vento a cortina do seu quarto se moveu e ele pode ver meias estendidas do lado de fora. Apesar do calor rotineiro que fazia sentiu que o dia seria diferente. Afinal, não precisaria usar o paletó e muito menos a gravata surrada. Nada de carteira, documentos, caneta ou chaves. Hoje seria apenas o maço de cigarro, a caixa de fósforos e o seu jornal.
Foi para próximo da mesa e sentou em uma das cadeiras, olhou ao redor e viu xícara, pires, talheres amontoados... o local estava uma desordem mas, não se importou, logo se sentou na poltrona e pegou o cinzeiro que estava próximo ao telefone, agenda e alguns papéis, começou a tragar um cigarro olhando para um vaso de plantas que estava à sua frente. Não quis mais ler o jornal, olhou novamente para a bancada onde havia pegado o cinzeiro e se lembrou dos emails que deveria ler ainda hoje, com a caixa de entrada e de saída superlotadas . Sentiu fome e quando se levantou para ir a cozinha se deparou com aquela mulher carregando uma bandeja e uma xícara de café. Ela estava naturalmente linda o que o levou a se recordar da noite anterior. Não pensou mais em emails, relatórios, cheques ou qualquer coisa do tipo. Naquele momento ele só gostaria de reviver o que aconteceu minutos antes do instante em que abriu os olhos e viu os seus chinelos ao lado da cama.

Ele...

Era manhã, até então mais uma manhã na qual eu ficava longe dele. Já não suportava mais a saudade...só pensava em seu olhos, seus ombros e seu cheiro. Devido a morte de um parente próximo tive que viajar para Vitória da Conquista e deixá-lo na cidade em que morava. Apesar da dor que envolvia toda a família o que eu mais queria era estar ao seu lado. Era fim de ano e tive que viajar sem ao menos lhe dar um beijo.
O que eu não imaginava era que ao sentar à mesa para o café, aquela manhã se tornaria sem sabores, sem texturas e principalmente sem ele... não por mais alguns dias mas, para sempre ou pelo menos, por muito tempo. Fiquei sabendo que iria morar em Conquista com o intuito de amenizar a ausencia que o meu tio deixara. Não tive tempo nem de concordar. Minha mudança fora imposta.
Corri para o quarto. Como contar para ele que eu não voltaria? Resolvi escrever uma carta, adorava escrever e era a melhor forma para me expressar, desde essa época já sonhava em fazer jornalismo. As frases saíam tão ambíguas quanto aquilo que eu sentia no momento. Antes de terminar o que escrevia o telefone tocou, ouvi sua voz e voltei a chorar e como por osmose já fora transferido o que aconteceria em alguns dias.
Do outro lado da linha, silêncio... tão incômodo e tão amargo que transcorria todo o corpo. Milhões de coisas se passavam em meu pensamento, eu não queria mais pensar! Queria estar com ele... naqueles momentos tão bobos e ingênuos que agora faziam tanto significado.